Karla Reis

Karla Reis

quarta-feira, 21 de outubro de 2020

fronteira

o dia era tarde
desconhecido
avulso
ainda não existia palavra
capaz de explicar a tristeza 
por um caminho inacabado 

abríamos a janela pela manhã
o sol ardia em meus olhos
em seu corpo
mas agora já não vemos mais
nem a luz
nem a vida
nem a partilha 

e agora?
e agora?

de tudo, o que restou 
foi o olhar trocado
cheio de desamparo
desespero
não sabíamos o que dizer
o que sentir 
mas esperei

que o caminho retomasse
que a dor apagasse
que a luz reacendesse 

só que o dia passou
a cortina se fechou
o quarto inundou
escuridão.

agora, o coração tinha gosto
de um grande recomeço 
confundido com o amargo
de um dia ter esperado de mais

insustentável, afirmou 
e por isso não suportei 
o cansaço de seguir só
e sempre
a mesma direção
tão logo acabei morrendo
em via de mão dupla
na contramão.

o dia era tarde
desconhecido
avulso
ainda não existe palavra
capaz de explicar o querer
que a vida retome
que a luz brilhe (de novo)
que o caminho reabra
e que minha rua
possa se reencontrar com a sua
numa fronteira
sem
fim.

Karla


domingo, 1 de setembro de 2019

Tudo tem uma razão de ser


Faz muito tempo que não escrevo, não tenho certeza se ainda sei como usar das palavras para expressar um pouquinho do que se passa do lado de cá. Vou tentar, antes que morra sufocada.

Os dias têm sido difíceis para mim. Há um tempo, do qual já perdi a noção, tenho entrado em constantes conflitos comigo mesma. Demoro para dormir, durmo mal e acordo antes do despertador. Todo dia, toda semana a mesma coisa. Já me acostumei com as olheiras, o mal-estar, a fadiga e com a sensação ruim de ter que sair da cama. Mas, por outro lado, não me permito fugir disso tudo. Das minhas obrigações, quero dizer. Meu perfeccionismo e minha sistematização ainda vão me mandar para o fundo do poço – mas até lá, sigo firme. E dói ainda mais encarar tudo com esse cansaço que não cessa.

Há sempre alguma coisa me incomodando e que se sobressai diante de qualquer boa sensação. E parece que essa coisa (que, sinceramente, não sou capaz de nomear) desviou de tudo que poderia me proteger e atingiu direto meu ponto mais fraco. Não sei ao certo o que é. Só sei que ela me traz sensações de anos atrás, das quais pensei que jamais teria de me preocupar de novo. Pensei que já tinha superado. E não falo de uma paixão que ficou para trás, nem de qualquer outro sentimento amoroso mal resolvido, é mais sobre todo o medo, insegurança e tristeza que eu já senti antes. E não sei por que, mas isso tem me atingido tão diretamente que, se eu estava acostumada a dormir cinco horas por noite, no máximo, hoje quatro já são lucro para mim. E isso me desgasta cada dia mais.

Conforme o tempo passa, tenho mais certeza de que tudo isso está dentro da minha cabeça. É como se houvesse uma sombra que persegue meu consciente (ou o subconsciente?) e não me deixa em paz. Ela é como uma sombra, mesmo, uma mancha preta que escurece qualquer feixe de luz que venha a surgir; não posso vê-la, mas sei que está aqui mesmo quando tudo já está escuro. Tenho sonhos constantes, por noites seguidas, em que me encontro em situações em que sou vencida pelo cansaço: ter que correr de algo ou alguém, ter que procurar algo que não tenho a mínima ideia de onde esteja, ter que tomar uma decisão muito difícil (mesmo em sonho) e várias outras coisas inimagináveis para qualquer pessoa que não esteja aqui dentro. E o pior de tudo é que todo o desgaste que sinto sonhando reflete no meu dia, da hora que levanto até a hora que volto a deitar. Sair de casa para enfrentar a mesma rotina inflexível de quase quatro anos chega a ser tão incômodo que tenho vontade de chorar todos os dias, pelo cansaço de ficar contando as horas para que eu possa voltar para minha casa, tomar banho e, depois de pestanejar muito, finalmente deitar. 

Minha mente tem me aprisionado em situações que incontrolavelmente me vejo criando e recriando e que me mantêm refém dos meus medos, inseguranças e fragilidades. Estou imersa no pior de mim. Não há luz, fôlego, força ou sequer um suspiro para me aliviar. Há vozes externas que se preocupam, que por vezes tentam me fazer reconhecer o que há de bom em mim, mas há um bloqueio em minha mente que não permite que nada disso seja absorvido ou ao mesmo compreendido momentaneamente por meio de um alívio ilusório. 

Estou cansada de morar em mim. Mas isso não é um pedido de socorro; é um desabafo.

Escrevo para me esvaziar (ou para me preencher?), para preservar o mínimo do que faz com que me mantenha capaz de levantar da cama todos os dias. Tem sido tão difícil... talvez ninguém possa entender o que acontece de fato. Não sei me expressar, não consigo; e a verdade é que não acho que alguém mereça saber o que acontece aqui. Todo mundo já tem sua própria batalha para enfrentar diariamente, não me parece justo dividir esse fardo, essa dor que pode até não fazer sentido para quem vê de fora. Ninguém quer um problema a mais. 

Mas pôr para fora é essencial. O problema é que é muito difícil se expressar sobre a tristeza. As metáforas vêm e vão e nada parece suprir a necessidade de expressão, nada parece exemplificar esse sentimento tão dilacerante e arrebatador. As palavras são insuficientes, enquanto o silêncio abraça e disfarça a dor, ameniza o medo e as inseguranças. Ser triste dói. Acostumar com a tristeza dói. E dói porque você sente que perde o controle de si mesmo, da sua própria vontade de movimentar-se diante da inércia que o mantém estático à margem da passagem dos dias. Todo. Dia. A. Mesma. Coisa. Todo dia uma vontade a menos, uma dificuldade a mais. Ser triste é encontrar-se no limbo de nossos pensamentos e, ah, como dói dizer... Nessa hora, nossa mente é o pior lugar para se estar. 

Encarar a tristeza exige coragem. Exige resistência. Levantar da cama todos os dias sempre me ensina algo sobre mim mesma, me mostra uma força desconhecida até então. O problema é que o passar do dia consome todo princípio de ânimo, força de vontade, disposição que me faz sair de casa e, até o momento de deitar novamente, sou sugada pelo cansaço, como uma formiga que tenta atravessar uma avenida sem se dar conta de que a qualquer momento será despedaçada por um carro a oitenta e tantos quilômetros por hora. Ou mesmo pisoteada num parque, por uma criança curiosa para ver de perto a morte de um inseto que parece tão insignificante. 

Essa inocência é uma das coisas que mais sinto falta. A simplicidade de olhar para as coisas simples do jeito que elas são. Sem procurar empecilhos, defeitos, problemas. Mas o que parece é que me acostumei a ser (veja bem: a ser e não a estar) uma pessoa pronta para o pior. Meu instinto naturalmente se adapta para o negativo. E não é como se eu pudesse escolher; quando vejo, minha mente já criou e recriou roteiros de tudo que pode dar errado, em todos os níveis possíveis. Isso afasta de mim o que pode ser bom, porque não sei filtrar aquilo que chega. Não me permito conhecer para absorver e descartar. Simplesmente afasto tudo e me mantenho aqui, no limbo. Não sei o que fazer.

O jeito que escolhi para lidar com tudo isso é tentar – com muito esforço – acreditar que as coisas acontecem por alguma razão, que dependem de nós para serem descobertas; e que, no fim das contas, eu é que não estou conseguindo encontrar. Isso porque me perco em meio a qualquer busca que tente iniciar. Mas me comprometo, diariamente, a não deixar de tentar: respiro fundo, desacelero e busco, com calma, voltar ao ponto desse texto em que me questiono se escrevo para me esvaziar ou para preencher. E mesmo que não saiba a resposta, escrevo. Sempre; para que lá na frente, quando tudo isso passar, eu possa ler e compreender o que hoje me parece incompreensível.

Afinal, é essencial acreditar que tudo tem uma razão de ser do jeito que é.

domingo, 10 de março de 2019

Mari

Esse texto é para você.

Eu sei que 2018 não foi um ano fácil. A nossa amizade se solidificou muito no decorrer dos meses, dos dias e a cada mínima história que íamos compartilhando; o que nos deixou mais próximas, nos tornou amigas mais fiéis. O que me ensinou muita coisa. 

Talvez nunca ninguém tenha parado para te falar sobre o quanto é possível aprender dividindo a vida contigo, e pode ser que isso te faça falta, de uma forma ou de outra. Afinal, por mais que digam o contrário, todo mundo tem a necessidade de sentir que faz o mínimo de diferença na vida de alguém. Senão, qual o sentido de estarmos aqui? Já estamos cansadas de ouvir nossos próprios professores que o ser humano - tal qual a cultura, o trabalho e tudo que rege o mundo - se constrói a partir das relações sociais que estabelece com seus pares durante a vida. Os conflitos, os afetos, os distanciamentos e proximidades, as oscilações sentimentais e a constante forma com que somos postos a prova em nossos ápices de medo, paixão, solidão, fé, apego, desapego e tudo que regula nosso ser, nos permite aprender e reaprender cotidianamente com nós mesmos. E ensinar sobre isso para quem está a nossa volta. 

O grande problema é que todo mundo está constantemente tão alienado a sua própria individualidade que acaba deixando passar despercebido o tanto de coisa que se pode aprender com momentos que estão bem ao lado. E isso não acontece com a gente. O nosso aprendizado é constante e natural, seja ele individual, seja a gente aprendendo uma sobre a outra ou sobre as pessoas e situações que acontecem a nosso redor. Não somos o centro do mundo - e nem queremos ser, credo - mas a gente tem uma PUTA bagagem de rolê e de merda acontecendo aqui e ali e isso nos deixou tão conectadas, tão donas de nós mesmos que nem consigo expressar. E cada dia que passa eu aprendo mais com você.

Acho lindo como você consegue se colocar no lugar das pessoas. O seu privilégio de ser quem é, não te impede de estar indignada, revoltada e até mesmo se desmanchar de tanto chorar por quem sofre de intolerância, preconceito e injustiça. Isso é tão importante pro mundo que a gente tá vivendo agora e é tão essencial que as pessoas tenham por perto alguém como você, que só consigo agradecer por estar aqui, dividindo o mesmo espaço. Mari, você é luz. Fiquei tanto tempo procrastinando com esse texto, buscando alguma forma de exemplificar isso de uma forma que você pudesse entender melhor o quanto é especial, mas cheguei a conclusão de que a única coisa que posso fazer é te lembrar constantemente, em cada detalhezinho, o quanto é importante te ter aqui nesse mundo. 

Tudo é melhor quando você está. Nunca deixe que ninguém te faça acreditar que você merece menos. O seu corpo, a sua alma, seu coração e sua consciência são as coisas mais importantes que existem na sua vida - não aceite por e nem para eles menos do que qualquer coisa que te faça transbordar. Eu sei, sempre terá alguém tentando te diminuir, dizendo que "nem é tudo isso", que você tá fazendo drama e que existem problemas maiores que os seus (e pode até ser que tenha, mas você não é responsável por eles). No entanto, somos indivíduos únicos em nossa essência. A gente deve se conhecer e aprender a lidar com nossos pontos fracos - tanto quanto com os pontos fortes - para manter o equilíbrio. As coisas têm o peso que a gente permite que elas tenham. Não é fácil seguir essa lógica, não é para sempre que teremos conhecimento sobre nós, até porque as coisas mudam, nós evoluímos e estamos em constante transformação. Mas você é dona de si, não deixem que tirem isso de você.

Se por acaso você se sentir perdida em algum momento (do mesmo jeito que eu fico quase sempre), corre aqui. 

Você não está sozinha, nunca esteve.

Te amo, obrigada pela amizade <3

Karla Reis

domingo, 6 de setembro de 2015

365 dias

Entramos em equilíbrio.

Agora, sim, há amor. Alinhar nossos corpos quando nos deitamos e fazer com que meus olhos encontrem os seus numa linha quase medida à régua, é amor. Estamos completamente alinhados.

Não preciso mais pensar em proporções quando se trata de você. Te amo de um modo simples, como sei que você gosta. Não há mais medições ou precauções necessárias, cuidados exigidos. Posso, enfim, dar-te todo meu amor. Me permiti a isso e fiz de nós uma das coisas mais bonitas da minha vida.

Quem dera eu tivesse percebido tudo isso antes. Precisei amar desesperadamente outro alguém pra perceber que não é assim que funciona. Amor não é desespero; é a calma com que você nivelou-se a mim, com que transformou amizade em amor. Sem chamar atenção, sem carências, sem gritos. Sem implorar.

Me relacionar com alguém nunca aconteceu de forma tão natural, tão saudável.

Te amo porque você não desistiu. Sobreviveu às minhas metamorfoses sem mudar de ideia. Soube ter a sua vida sem desvincular-se de mim, até o momento certo. Sua paciência foi - e sempre será - essencial. Já estava te amando, assim, sem saber. Sempre amei.

Me desculpa pela demora. Eu podia ter estado aqui antes. Sinto um calafrio correr por minhas costas quando penso que você podia ter desistido... Não saberia, hoje, a sensação de um amor tranquilo. Estamos iguais agora. Compartilhamos planos, anseios, vontades. Temos até mesmo os mesmos medos. É lindo o modo como nos encaixamo um na rotina do outro. Simplesmente demos certo.

Tão certo quanto o modo com que você guarda seus relógios e eu, as minhas sapatilhas. Tão certo como bagunçar a cama com você ou arrumá-la antes de sair. Tão certo como você preferir Toddy e eu Nescau, ou ainda você confundir minha escova de dentes laranja com uma roxa (tudo bem, já que me empresta a sua quando preciso). Demos tão certo quanto a quantidade de notas que eu erro jogando Guitar Hero ou as vezes em que bato o carro jogando aquele jogo que não lembro o nome agora. Tão certo quanto seu sorriso. O jeito com que me faz rir a qualquer hora. Tão certo quanto as oposições entre as músicas que gostamos, até entrarmos no acordo de eu escolher o que ouvir no carro na ida e você na volta, de modo que a gente aprende a ceder e aceitar.

E ainda que eu odeie quando você me deixa com ciúmes, quando generaliza e fala que mulher nenhuma serve pra dirigir. Quando me apressa, quando aperta minhas gorduras, quando acaba com minhas vidas no Two Dots. Quando insiste dizendo que eu estou bonita e eu sei que não estou. Quando me enche o saco dizendo que não entende meu conceito de beleza e não sabe se fica feliz ou triste quando eu te elogio. Você é chato tantas vezes e não tem um dia que eu passe inteiro sem querer te dar ao menos um soco na cara, mas está tudo bem porque a quantidade de coisas que eu amo em você é muito maior.

Você é lindo. E é linda a cara que faz quando digo isso olhando nos teus olhos. O seu cheiro é combustível pra todos os meus dias. Gosto de como você deixa suas gavetas organizadas, suas camisetas penduradas (mesmo que todos os cabides não estejam do mesmo lado), seus perfumes guardados por ordem de tamanho. Gosto da sua coleção de insetos que eu nem sei onde foi parar, da sua almofada de onça, da sua cama que, mesmo quando você acaba de acordar, parece que é bagunçada de um jeito certo. Gosto daqueles esqueletinhos de dinossauro que você não quer me dar. Gosto de quando você põe leite no meu copo mas não põe o Nescau, de quando faz massagem sem eu pedir (mesmo que eu tenha que ter feito alguma antes) e de quando me ajuda a escolher roupa ou batom. Gosto de quando sinto você me cobrir à noite e de como seu cabelo fica quando acorda. Gosto de ser acordada por você, todo sonolento, me fazendo carinho ou cheirando meu pescoço. Eu sinto a importância de cada segundo quando estou com você.

E que o tempo seja imune às nossas oscilações. Que a gente mude o que quiser, a hora que quiser, desde que haja encaixe. Porque o que é nosso só importa a nós. Que saibamos respeitar todos os nossos limites e nada torne-se uma obrigação. Te amar é um privilégio.

Espero que você aponte sempre na mesma direção que eu e que, mesmo que algum dia, por qualquer que seja o motivo, nosso caminho não for o mesmo, eu te encontre no final. Não quero que nada me tire a oportunidade de te ter ao meu lado pro resto da vida.

Eu te amo exageradamente. 


segunda-feira, 25 de agosto de 2014

Estática

A tua verdade tem me machucado
desde o início e
tão pouco 
isso tem me importado
que me mantenho
agora envolta 
as tuas oscilações 
Teu silêncio é
estranhamente lindo
como todas as outras coisas
que você 
faz, que você
é
O problema é a
incerteza pois
nunca sei
se estou inerte àquele
que me vê chegar
ou
que me vê partir e 
se despede
com a singularidade
de quem não espera
volta


Karla Reis.

quarta-feira, 13 de agosto de 2014

Heterônimo

Eu não sei me descrever e sequer imagino por que diabos me pediram pra fazer isso. De qualquer forma, me chamo João Massich. Nome brasileiro e sobrenome russo herdado do meu pai, que, assim como eu, não é grande homem e deve passar os dias numa cadeira de balanço. Tenho cinquenta e tantos anos. Cinquenta e oito, se me lembro bem.

Nasci em primeiro de abril, na capital do país. Na verdade, na periferia da capital. Não tenho irmãos e no começo meus pais até tentaram pagar uma boa escola para mim, mas o pouco-caso que fiz com os estudos, fez com que os dois mudassem de opinião. Tanto faz como tanto fez, que concluí a vida acadêmica – e demorei longos dezessete anos para isso – em uma escola pública em que os professores faziam tão pouco-caso quanto eu. Pra mim, aquilo era um alívio. O meu instinto autodidata me instruiu automaticamente assim que aprendi a ler e a escrever. O resto foi uma tortura.

Um dos poucos momentos bons dos quais me recordo daquela época, tem a ver com um soco. Acertei a cara daquele gordo com toda a força que pude. Já não tinha amigos, aquilo fez com que me deixassem ser o esquisito em paz. No começo até me esforcei pra conseguir chegar perto ao menos de alguma garota que não fosse tão estranha quanto eu, mas não obtive sucesso e me contentei com a professora de matemática ou qualquer outra mulher que me chamasse atenção, por muitos anos, apenas em pensamento.

Aliás, acho que um ser vive daquilo que pensa. “Penso, logo existo”. Pensei a vida toda que conseguiria viver sozinho. Decidi que sairia de casa ao atingir a maioridade quando, pela enésima vez, meu pai me trancou no quarto, me bateu e, diferente das outras vezes, não chorei. Eu tinha chegado da escola cheirando a tabaco mas não tinha chegado perto, até aquele dia, de nenhuma droga. Tentei argumentar e foi em vão, foi aí que decidi escrever.

Hoje eu fumo os cigarros que meu dinheiro pode comprar e bebo aquilo que as moças dos balcões solitários me oferecem. A minha família é católica, mas o meu Deus é aquele – ou aquilo – que eu quero que seja nas linhas que escrevo. Gosto de ter ciência dos medos e riscos que me cercam. O conhecimento do fracasso e do que há de pior no ser humano que não pensa e não busca conhecimento, me poupe de andar no mesmo caminho. Posso ser um velho moribundo, sozinho e sem muito o que viver ainda, mas estou certo de que morrerei aliviado por saber que conheci ao menos um pouco de tudo que pude.

Uso a verdade para escrever e conseguir alguns trocados, algumas mulheres e algumas bebidas. Levo a vida assim. De mentira, já me basta o dia em que nasci.


- Karla Reis.


terça-feira, 4 de março de 2014

Fevereiro

Fevereiro acabou, ainda bem. 

Como é possível caber tanta angústia num só mês?

Que dias difíceis. Pareciam intermináveis. Ainda tenho a sensação de que algumas horas de alguns dias rastejam lentamente sobre o tempo, mas elas terminam, ora ou outra, e tudo volta a estar sob controle. É tudo sobre controle.

Nesse mês que se foi, finalmente, senti de novo um peso sobre as costas que pensei que não suportaria. "Você precisa crescer sozinha", diria o moço dos olhos verdes; Mas é que é realmente difícil quando você muda seu ângulo e começa a ver a coisa de outra forma. Ou começa a ser vista de outra forma. Precisa ficar de pé e cabeça erguida no meio daqueles que, um a um, pouco a pouco, vão aumentando a pressão que é se manter intacta diante da podridão do ser humano. E você se mantém. Eu me mantive.

É preciso crescer sozinho.

Crescer dói. Não é somente sobre carregar cada vez mais obrigações, cada vez mais longe e cada vez mais sérias. É sobre tudo o que tem no meio do caminho. Sobre a sujeira que acumula, as amizades que cessam, o ceticismo que aumenta. Sobre a fé que  se é que já existiu  se esvai. Sobre saber lavar os próprios pés e a própria mente. Sobre experiências que sempre te mostrarão que, ao mesmo tempo em que dez dedos são demasiados diante da quantidade de amigos que você poderá contar, também são insignificantes diante daqueles que te virarão as costas ou passarão ao seu lado deixando apenas o cheiro podre da indiferença. Estou vivendo num calabouço escuro e sombrio, como de praxe, e só percebi agora.

É preciso crescer sozinho.

Às vezes arrumamos fardos ao longo da vida que precisam ser carregados para sempre. Tudo bem, eu carrego os meus. Sou responsável por todos eles. Por toda a dor, todo o medo e todo o deslize. Não só desse fevereiro que passou, mas de todos os outros meses que me desesperaram quase da mesma forma. Mas uma coisa é pensar e focar nos seus fardos o suficiente para se adaptar e aprender a viver lidando com eles; Outra, é salientar esses fardos, dia a dia, como grandes socos que você ganha no estômago ao acordar. As coisas têm o peso que você permite que elas tenham.

Incapacidade é algo que criamos naturalmente quando pensamos que não somos resistentes o suficiente para lidar com determinada situação. Isso é o tipo de coisa que aprendemos pouco a pouco quando nos permitimos  ou somos obrigados a  crescer sozinhos.

Quase dezoito anos crescidos como nunca em um mês. A vida é realmente uma coisa muito louca. Sempre queremos nos desprender da sensação que faz parecer como se estivéssemos enfincados na obrigação de seguir tudo rigorosamente como manda o protocolo; Quando somos obrigados sair, ah! meu deus, é angustiante olhar para os lados e não ver as paredes do casulo. 

Mas sempre chega a hora de acordar pra vida.

É preciso crescer sozinho.

- Karla Reis.